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quarta-feira, 29 de maio de 2013

USP recebe coleção com 12 mil vozes de personalidades da História


JC e-mail 4736, de 29 de Maio de 2013.


Registros raros ou curiosos foram garimpados por colecionador durante 50 anos. Há, no acervo, vozes raras, como as de Santos Dumont, Antoine de Saint-Exupéry, Hitler, Washington Luiz, Thomas Edison e outros. A reportagem é de O Globo

Luiz Ernesto Kawall, 85 anos, é um homem que ouve vozes. Milhares delas. Podia ser um caso psiquiátrico, mas é só uma história inusitada. Há mais de 50 anos, Kawall resolveu começar uma coleção: não de selos, moedas ou cartões-postais, mas com registros da voz humana. O nome? Vozoteca LEK, as iniciais de seu criador. No total, são cerca de 12 mil registros, não só com músicas, mas também discursos, entrevistas e depoimentos. Raridades como as vozes de Santos Dumont, Antoine de Saint-Exupéry, Hitler, Washington Luiz, Thomas Edison e vários outros. Pensando na posteridade de seu acervo, Kawall decidiu doar a Vozoteca para o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). A transferência, negociada no ano passado, acaba de ser concluída. As vozes chegaram à instituição há menos de 20 dias. É o primeiro acervo só de áudio recebido pela universidade, agora encarregada de preservá-lo e disponibilizá-lo para pesquisadores e o público em geral.

A USP vai catalogar e digitalizar tudo. O IEB ainda estuda questões de direitos autorais, mas a ideia é colocar máquinas nos corredores do instituto, para os visitantes ouvirem a Vozoteca. Para isso, a instituição estima que serão necessários R$ 500 mil, que espera captar entre entidades de amparo à pesquisa.

Estranha obsessão

Kawall está eufórico. Desde sempre, seu sonho era ver a coleção disponível. Um dos fundadores dos museus da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e de São Paulo, ele converteu sua própria casa numa espécie de centro cultural. Não à toa, recebia estudantes interessados em ouvir vozes - do além e do aquém. Só ficava assustado com a obsessão de alguns pela voz de Hitler.

- É aquela voz técnica, cavernosa, horripilante. Mas potente, insinuante. E muita gente gosta de ouvir, mesmo com tanta Edith Piaf por aí, que penetra na alma da gente com a voz - diz o colecionador.

Além de museólogo, Kawall é jornalista. Começou na sucursal paulistana da "Tribuna da Imprensa", depois de conhecer Carlos Lacerda, dono do jornal. Quando quis concorrer ao governo do Estado da Guanabara (atual cidade do Rio), Lacerda, que já havia feito fama com seus discursos inflamados contra Getúlio Vargas nas rádios, convidou o jovem repórter para trabalhar na campanha.

Quando Lacerda lançou um LP de discursos, em 1960, deu o primeiro exemplar para Kawall. O funcionário ficou comovido, já que há tempos era fã da voz do candidato. Pensou, então, que as futuras gerações iam se interessar por aquilo. A voz de Carlos Lacerda foi a primeira aquisição da Vozoteca - e até hoje é a sua favorita.

Só uma das vozes ele conseguiu pela internet: Otto von Bismarck, o chanceler prussiano, recitando poesias e canções. As outras lhe chegaram por diferentes caminhos. Incluindo amigos e conhecidos que ouviram falar da Vozoteca e lhe trouxeram gravações de presente.

A voz de Santos Dumont, por exemplo, foi encontrada pela filha de um amigo em um museu em homenagem aos pioneiros da aviação, numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos. Trata-se de um discurso de 1929, quando o Pai da Aviação recebeu a Legion d'Honneur, maior condecoração do governo francês.

O registro do Barão do Rio Branco também foi presente de um amigo e também foi encontrado num museu. A voz, gravada em 1906, corresponde ao pronunciamento do diplomata sobre o Tratado de Petrópolis, assinado com a Bolívia, que anexou o Acre ao território brasileiro

Já o discurso de Washington Luiz, gravado quando o ex-presidente voltou ao Brasil após um período no exterior, em 1937, veio de um sobrinho do político. E a voz de Sigmund Freud, o próprio colecionador garimpou. Conseguiu que a BBC de Londres lhe cedesse uma entrevista com o psicanalista gravada em 1938.

- Eu acho a voz do Freud meio mágica. Um dia, vieram uns freudianos aqui em casa e eles até se deitaram no chão para ouvir. Fiquei impressionado. Depois, mandei uma cópia para eles - diz Kawall.

Exímio ilusionista, que compra baralhos, moedas e cartolas e faz truques para os netos e bisnetos, Kawall diz que não vê graça em escutar vozes sozinho. E cita a gravação que possui de Manuel Bandeira como uma das melhores para se ouvir acompanhado. É o registro do poeta lendo "Vou-me embora pra Pasárgada" (1930), com "uma voz confessional, poética, precisa", segundo o colecionador. Outra de suas prediletas é Tetê Espíndola imitando a passarada do Pantanal.

Algumas vozes Kawall garimpou em sua vizinhança, com vendedores da Praça Benedito Calixto, que já o conhecem. Afinal, até poucos anos, ele próprio costumava comercializar vozes famosas na feira de antiguidades local. Só cobrava o custo da reprodução. E chegou a mandar carta para o senador José Sarney, quando era presidente, pedindo a preservação da memória em áudio do Brasil. O maior sonho de Kawall, afinal, era criar o Museu da Voz.

O que nasceu sem pretensão foi ficando cada vez mais sério. Com o tempo, Kawall começou a programar suas viagens para encontrar vozes raras. Foi assim que parou na sede da ONU, em Nova York, atrás de gravações de Mussolini, Gandhi e Churchill. Conseguiu todas. Mais tarde, foi bater à porta da BBC de Londres atrás de um especial sobre os 50 anos do rádio brasileiro. Saiu de lá com a primeira rádio-novela, "Direito de nascer", de 1951.

Em solo nacional, o colecionador foi até Juazeiro do Norte (CE) só para encontrar as vozes de Lampião e Padre Cícero. Conseguiu apenas um vídeo dos dois. Mudo. Por isso, Kawall aproveita a entrevista para avisar: se alguém tiver, é só procurá-lo na Praça Benedito Calixto. A busca, afinal, não termina com a doação do acervo.

Dom Pedro I

Outra curiosidade que ainda motiva Kawall diz respeito à voz de Dom Pedro I. Ao saber da exumação do corpo, em fevereiro, o colecionador se animou. Ouviu dizer que os pesquisadores poderiam reconstruir a caixa torácica, os pulmões e a garganta do imperador e, assim, recuperar o timbre de sua voz.

- Queria muito saber se era fanhosa, bonita ou cristalina - diz o criador da Vozoteca.

Agora, com a doação, ele diz sentir "um alívio". Com a idade avançada, Kawall temia que suas vozes assombrassem a família quando ele não estivesse mais aqui. Mas ainda não sabe o que fazer com o vazio de sua sala, agora em silêncio.

(Maurício Meireles / O Globo)
 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cientistas extravasam seu descontentamento com fator de impacto das revistas


Qual é a melhor maneira de avaliar a produção científica de um pesquisador?
Vários fatores entram nessa conta, e um dos principais deles é a publicação de trabalhos em revistas científicas de alto impacto, como as famosas Science e Nature. O que, sem dúvida, é um indicador relevante: se o pesquisador tem trabalhos aceitos nessas revistas, é um sinal de que as pesquisas desenvolvidas por ele ou por ela são de boa qualidade. Um bom sinal, mas não o único … há muitas outras coisas que podem (e deveriam) ser levadas em consideração.
O peso exagerado que frequentemente é dado ao fator de impacto das revistas está deixando muitos pesquisadores insatisfeitos. Tanto que uma petição foi lançada na internet, pedindo o fim do uso desse fator de impacto como métrica central na avaliação de mérito de pesquisadores, projetos e instituições. Segundo a petição, chamada Declaração de São Francisco sobre Avaliação de Pesquisa (DORA, na sigla em inglês), o mérito de um trabalho (e do cientista que o realizou) deve ser avaliado com base na qualidade do próprio trabalho, e não da revista na qual ele foi publicado. Parece óbvio, mas com frequência não é o que acontece.
Há trabalhos de ótima qualidade publicados em revistas de baixo impacto, assim como há trabalhos de qualidade, mérito e/ou relevância bastante duvidosas publicados em revistas de alto impacto. Por uma série de razões, que envolvem, não raramente, relações de interesse pessoal, institucional, corporativo, regional e midiático entre as partes envolvidas. Sem falar que o fator de impacto não é um número absoluto, é uma representação da média do números de citações que os trabalhos publicados na revista recebem ao longo de um determinado período. Ou seja: mesmo nas revistas de maior impacto, há trabalhos de baixo impacto, que recebem poucas citações, e não deveriam se beneficiar individualmente do alto fator de impacto da revista como um todo.
E não pense que os assinantes da Declaração são um bando de coitados sem importância que estão incomodados porque não têm competência para publicar nas melhores revistas … Não senhor. O movimento foi iniciado pelo Sociedade Americana de Biologia Celular (ASCB), uma das mais importantes sociedades científicas dos EUA, e a carta é assinada por editores de várias revistas científicas de peso, entre eles o editor-chefe da Science, Bruce Alberts.
Para ler a Declaração (e assiná-la se quiser), clique aqui: DORA (http://am.ascb.org/dora/)

Os limites do índice-h

Supervalorização do indicador que combina quantidade e qualidade da produção científica gera controvérsia
FABRÍCIO MARQUES | Edição 207 - Maio de 2013
No final do ano passado, a revistaChemistry World, editada pela Royal Society of Chemistry, do Reino Unido, decidiu parar de publicar um ranking on-line que era sucesso entre os leitores. Tratava-se da lista, atualizada algumas vezes por ano, com mais de 500 pesquisadores altamente produtivos na área de química, aqueles que ostentam no currículo um índice-h maior que 55. A decisão de suspender o ranking foi uma capitulação às críticas de que ele dava ênfase demasiada a um simples indicador de desempenho, sem levar em conta outros aspectos da produção científica, e poderia induzir universidades e agências de fomento a tomar decisões simplistas ou equivocadas. O índice-h de um pesquisador é definido como o maior número “h” de artigos científicos desse pesquisador que têm pelo menos o mesmo número “h” de citações cada um. O primeiro do ranking da Chemistry World era George Whitesides, da Universidade Harvard, com índice-h 169. Equivale a dizer que ele publicou pelo menos 169 artigos que obtiveram, cada um, ao menos 169 citações em outros trabalhos. Para ter um índice-h elevado, é preciso publicar artigos que repercutam na comunidade científica. Se um pesquisador publica muito, mas é pouco citado, ou se recebe muitas citações, mas num número restrito de artigos que publicou, terá um índice-h baixo.

O índice-h foi proposto em 2005 pelo físico argentino Jorge Hirsch, professor da Universidade da Califórnia, San Diego, como uma ferramenta capaz de combinar quantidade e qualidade de produção acadêmica. Logo tornou-se parâmetro em avaliações e cartão de visitas de pesquisadores com desempenho destacado, e extrapolou sua utilização para além do desempenho individual: hoje há rankings do índice-h de universidades, países e revistas científicas. Segundo Henry Schaefer, professor da Universidade da Geórgia, Atenas, nos Estados Unidos, e responsável pela compilação da lista da Chemistry World, as críticas surgiram desde a primeira edição do ranking em 2007 e nunca cessaram. “O problema não era com o índice-h em si, mas com o ranking que supervalorizava esse indicador”, explicou.
O episódio da Chemistry World é revelador das vantagens e mazelas do índice-h, uma medida que ganhou aplicação generalizada por seus méritos – é fácil de calcular, baseia-se em critérios objetivos e resume num único número a produtividade e a relevância do trabalho de um pesquisador. Simultaneamente, seu uso tornou-se alvo de críticas por não levar em conta suas limitações. O próprio Jorge Hirsch admite um problema importante. “Deve-se sempre ter em mente que pesquisas fora domainstream podem ser pouco citadas e subavaliadas por indicadores bibliométricos e merecem ser apoiadas financeiramente apesar disso”, afirmou à revista on-lineResearch Trends. “Um indicador bibliométrico deve ser sempre usado ao lado de outros indicadores, e com bom senso.”
Não se pode usar o índice-h para comparar pesquisadores em estágios diferentes da carreira – um pesquisador sênior com índice-h 100 na área de química pode orgulhar-se de ser extremamente produtivo, assim como um pesquisador jovem da mesma área que tenha um índice-h 30. Também é equivocado comparar o desempenho de pesquisadores de áreas diferentes. “Cada área tem um tamanho peculiar e tendências diferentes de citação”, explica Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca SciELO Brasil. “Em bioquímica, por exemplo, há um número enorme de pesquisadores. Logo há mais artigos e mais gente citando. A regra é você trabalhar com as subáreas quando faz comparações”, afirma Meneghini, para quem, contudo, o índice-h é uma ferramenta valiosa, sobretudo nas ciências naturais. “Um índice-h elevado nessas áreas é um sinal de que o pesquisador fez coisas de impacto”, afirma.

Já em muitas disciplinas das humanidades a divulgação de resultados de pesquisa por meio de livros é tão importante quanto sua divulgação por meio de artigos em revistas indexadas, de modo que nelas o índice-h frequentemente diz pouco sobre o impacto real do trabalho de um pesquisador. “Nas humanidades, um índice numérico de avaliação de impacto é certamente algo a ser levado em conta, mas como um dos elementos de avaliação, entre outros. Desacompanhado de elementos de avaliação de natureza qualitativa, será só um número”, afirma Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjunto de Ciências Humanas e Sociais da FAPESP. “Além disso, o impacto de uma publicação não se mede apenas por citações, mas também por muitas outras coisas, como sua contribuição para inovações tecnológicas ou para a formulação de políticas públicas, por exemplo.”
Virtude
O italiano Mauro Degli Esposti, professor da Universidade de Manchester, no Reino Unido, compilou recentemente uma lista de pesquisadores de todas as áreas com índice-h acima de 100, baseado nos dados do Google Acadêmico. Em seu ranking, com quase 200 nomes, aparecem pouquíssimos pesquisadores de ciências humanas ou sociais aplicadas, caso, por exemplo, do Nobel de Economia Joseph Stiglitz (índice-h 130) e do linguista Noam Chomsky (123), e predominância nos estratos mais altos de cientistas dos campos da medicina e da bioquímica (ver quadro). Não há correlação direta entre vencedores do Nobel e o topo na lista. Entre os 30 primeiros, há apenas quatro vencedores do Nobel e um ganhador da Medalha Fields, principal honraria dos jovens matemáticos. “A única virtude que vejo no índice-h é o fato de ser fácil de calcular”, critica George Matsas, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Não há nenhum critério claro para se dizer o que é um índice-h alto ou baixo. Eu conjecturo que o h do Peter Higgs, do bóson de Higgs, ou de Kenneth Wilson, prêmio Nobel de Física de 1982, seria menor que o de vários outros dos quais nunca ouvimos falar”, diz.

Rogério Meneghini alerta para uma distorção importante no índice-h: a participação em redes que chegam a reunir 700 pesquisadores em estudos em física de partículas, astronomia ou novos medicamentos. “Seria uma decisão drástica, mas talvez fosse o caso de não considerar esse tipo de artigo no cálculo do índice-h. Seus resultados são importantes, mas não é possível medir a real participação de cada autor”, afirma. Nada contra a participação em redes de colaboração internacional, observa Meneghini. “Temos muitos pesquisadores brasileiros que participam continuamente de redes de 20 ou 30 cientistas de vários países e mantêm colaborações sólidas com gente do MIT, da Inglaterra ou da França. Isso é um sinal de qualidade”, observa.
Assessores e membros das Coordenações de Área da FAPESP utilizam o índice-h de pesquisadores como parâmetro auxiliar na avaliação da qualidade do conjunto de artigos, mas a FAPESP não abre mão dos pareceres extensivos de assessores e da análise qualitativa para selecionar as melhores propostas. “O fundamental, na nossa avaliação, é a qualidade do projeto de pesquisa”, diz Wagner Caradori do Amaral, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e coordenador adjunto da Diretoria Científica da FAPESP na área de Ciências Exatas e Engenharias. “Se o projeto tiver qualidade e o proponente demonstrar potencial para realizá-lo, não é o índice-h que irá impedi-lo de receber financiamento”, afirma o coordenador adjunto José Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP.  “O índice-h é um dos parâmetros de observação, mas nunca é suficiente”, complementa Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora adjunta de Ciências da Vida. Segundo ela, a popularidade do índice-h ajudou a consolidar no Brasil a importância da divulgação de resultados em periódicos indexados. “Mas é preciso tomar cuidado para não criar um vício de números”, afirma. Mais importante do que o índice-h, diz Marie-Anne, é o contexto em que as publicações se inserem. “Existem citações que se referem a um ganho de tecnologia, outras que são de um ganho de conhecimento, outras de observação de um fenômeno. Dependendo do tipo de projeto apresentado, esse tipo de informação tem relevância específica na avaliação. E também é preciso ver como evoluiu o índice-h no contexto da carreira de um pesquisador. Se o impacto é resultante de um único artigo ou se trata de uma obra, é um dado importante”, afirma Marie-Anne.
Confiança
Para Carlos Eduardo Negrão, coordenador adjunto de Ciências da Vida, o índice-h é uma ferramenta para avaliar pesquisadores no campo da fisiologia e medicina, mas não pode ser visto de maneira isolada. “É um índice que ajuda qualificar o impacto dos estudos publicados por pesquisador e se ele se concentra em poucos ou vários trabalhos”, diz Negrão, que é professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP e diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício do Instituto do Coração (InCor). “É importante analisar também o impacto das revistas em que os artigos são publicados e consultar o Web of Knowledge, da Thomson Reuters, para verificar o número total de citações do pesquisador. É de interesse verificar também como o pesquisador é categorizado em nossa comunidade científica, isto é, o seu nível no CNPq. Esse conjunto me dá mais confiança de realizar uma avaliação justa.”

No caso dos projetos na área de ciências da computação, uma preocupação do coordenador adjunto em Ciências Exatas e Engenharias Roberto Marcondes Cesar Júnior, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, é avaliar também a produção científica apresentada em certas conferências internacionais, caso, por exemplo, da International Conference on Computer Vision. “O uso do índice-h em ciências da computação é semelhante ao das hard sciences, mas os melhores periódicos têm impacto similar aos dos artigos dessa conferência, que é indexada em bases internacionais”, afirma.  Segundo ele, o índice-h é útil para medir o sucesso dos pesquisadores, as ligações que ele conseguiu fazer com outros grupos e o impacto de sua pesquisa. “Mas o que importa é sempre o projeto. As ideias são mais importantes do que os números”, diz.

Um efeito colateral importante da adoção disseminada do índice-h – assim como de outros indicadores baseados em citações de artigos científicos – é que ele começa a exercer influência sobre a cultura de publicação de várias áreas do conhecimento no Brasil. Num estudo divulgado em 2011, Rogério Mugnaini, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, e sua aluna de mestrado Denise Peres Sales mapearam o uso de índices de citação e indicadores bibliométricos na avaliação científica brasileira. Observaram que o índice-h é usado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como um dos critérios para definir o estrato mais alto de revistas científicas em diversas áreas, no sistema Qualis. Essas publicações têm um peso maior na avaliação de grupos de pesquisa feita pela Capes e, por isso, acabam se tornando um alvo preferencial de seus pesquisadores.
No caso da odontologia, só são admitidos no estrato 1-A periódicos com índi-ce-h igual ou superior a 52. Em enfermagem, estão no estrato 1-A periódicos com índice-h de pelo menos 15. Em administração, o limite é um índice-h de 5. O índice-h dos periódicos é fornecido pelas bases Web of Science e Scopus, que adotaram a metodologia de Hirsch para avaliar a produção e o impacto de revistas – uma publicação com índice-h 50 é aquela que teve pelo menos 50 artigos com pelo menos 50 citações num determinado período. Um achado importante do estudo de Mugnaini é a larga utilização de índices de citação (JCR), notadamente o fator de impacto (FI), na avaliação da maioria das áreas. O FI é uma medida que reflete o número médio de citações de artigos científicos publicados em determinado periódico. Os valores do FI vão de 0,5 para áreas como geografia, administração, ciências contábeis e turismo até 6, caso da astronomia. Ciências biológicas exigem fator de impacto superior a 4; medicina, 3,8; ciências agrárias, 2; engenharias, entre 0,8 e 1; matemática, 0,95.
Amadurecimento
“A utilização generalizada de índices de citação inclui áreas de menor tradição de publicação em periódicos internacionais, como ciências humanas e ciências sociais aplicadas, que apesar de não se basearem num indicador exigem a indexação dos periódicos nos índices internacionais”, diz Mugnaini. “A Capes desempenha um papel fenomenal com o sistema Qualis, por envolver pesquisadores do país todo e zelar pela qualidade da pós-graduação. Mas acaba dizendo para as áreas: o objetivo é todo mundo publicar em revistas de fator de impacto internacional”, afirma. Segundo ele, o que ocorre em algumas áreas é a aceleração de um processo de amadurecimento, com pesquisadores tentando publicar cada vez mais em revistas de alto impacto. Em outros casos, contudo, não se trata de uma evolução natural. “Não dá para esperar que a sociologia venha a apresentar um processo de internacionalização igual ao da física. Paralelamente, é necessário haver mecanismos que permitam olhar uma revista nacional, publicada em português, e dizer: essa revista é boa. Não serão a citação e o índice-h que darão esse parâmetro”, diz.

Um artigo publicado em julho de 2012 na revista Perspectivas em Ciências da Informação fez uma análise comparada entre a produção científica de bolsistas de produtividade do CNPq nos níveis 1-A e 1-B, que estão no topo da escala, em quatro diferentes campos do conhecimento – e observou o que pode ser uma mudança de comportamento nas ciências humanas. O estudo, assinado por Ricardo Arcanjo de Lima, Lea Velho e Leandro Innocentini Lopes de Faria, mostrou que em física e em genética, áreas nas quais há comunidades consolidadas e habituadas a publicar em revistas internacionais, havia uma correlação entre o índice-h dos pesquisadores e seustatus acadêmico. No caso da física, a média do índice-h para os bolsistas nível 1-A foi de 13 e nos de 1-B de 11. Já em genética, a média do índice-h para os bolsistas nível 1-A foi de 15 e nos de 1-B de 11. Em ciências agrárias, a média para os bolsistas nível 1-A foi de 7 e nos de 1-B de 6. Um dado que suscitou surpresa foi o resultado na área de sociologia. “Esperávamos um índice-h zero, pois a prática de publicação passa longe do modelo das revistas internacionais, com clara preferência de publicação em livros”, diz Arcanjo, que é analista da Embrapa e concluiu no ano passado doutorado em política científica e tecnológica na Unicamp. O índice-h foi igual a zero entre os pesquisadores 1-A, mas chegou a 1 na categoria 1-B, que reúne pesquisadores mais jovens. “A pressão sobre os pesquisadores pode estar mudando práticas da disciplina no Brasil”, afirma.
Para Rogério Meneghini, o caso das humanidades evidencia a pressão crescente para disponibilizar o conhecimento. “O dinamismo da produção científica hoje é outro”, afirma. Ele observa, contudo, que a dificuldade de publicar em revistas internacionais está gerando um crescimento exagerado de periódicos no campo das humanidades no país. “Como o número de cursos de pós-graduação em humanidades cresce numa velocidade mais rápida que em outras áreas, está havendo esse fenômeno do aumento descontrolado de periódicos no Brasil. O país tem hoje cerca de 5 mil periódicos. Entre as revistas que solicitam inclusão na biblioteca SciELO, a proporção das humanidades chega a 80%”,
diz Meneghini.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Lançado o Portal do Livro Aberto em Ciência, Tecnologia e Inovação


JC e-mail 4727, de 16 de Maio de 2013
Organizado pelo IBICT, portal reúne publicações oficiais em ciência, tecnologia e inovação

O Portal do Livro Aberto em Ciência, Tecnologia e Inovação foi lançado nesta quarta-feira (15/05), em Brasília, no auditório do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). O Portal tem o objetivo de reunir, divulgar e preservar as publicações oficiais em ciência, tecnologia e inovação, editadas por órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo Federal.
O Portal foi lançado com 527 publicações oficiais. Sua estrutura segue os 18 temas da Estratégia Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação, dentre Fármacos e Complexo Industrial da Saúde; Petróleo e Gás; Biotecnologia; Nanotecnologia; Biodiversidade; Mudanças Climáticas; Oceanos e Zonas Costeiras; Popularização da C, T & I; Inclusão Produtiva e Social, além de uma coleção sobre Ciência da Informação, área temática do projeto piloto, e uma amostra representativa das obras editadas pelo IBICT, ao longo dos seus quase 60 anos de existência.
Para o coordenador geral das Unidades de Pesquisa, Carlos Oití, representando na ocasião o subsecretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Arquimedes Ciloni, o lançamento do Portal do Livro Aberto se insere em um programa que o IBICT lançou no Brasil: o Acesso Livre à Informação, do qual se disse fã incondicional.
"Este evento marca mais uma iniciativa de grande valor que deve ser bastante divulgada para que o Ministério e toda a comunidade venham a conhecer este trabalho. Sinto-me honrado por estar aqui, pois admiro muito as iniciativas e o esforço do pessoal do IBICT. Desde 82, eu acompanho este Instituto de perto e me lembro das fases não tão boas e das muito boas, sendo esta uma delas. Nós estivemos meses atrás em um seminário internacional, e tivemos conhecimento das realizações do IBICT nos últimos anos. Isso é surpreendente por dois motivos. O primeiro, que como coordenador das Unidades de Pesquisa do MCTI, eu pensei que soubesse o suficiente, mas verifiquei que não sei. A outra coisa é que, apesar de ter essa quantidade de realizações e eventos, não só eu não conheço, mas o Ministério também não conhece por completo o IBICT. Apenas a comunidade científica mais próxima tem esse conhecimento. Eu fico angustiado por essas realizações não terem o tratamento merecido para a real valorização deste Instituto, que é uma das Unidades de Pesquisa mais importantes do MCTI", salientou Oiti.

O diretor do IBICT, Emir Suaiden, disse que as revistas eletrônicas são ricas em produção científica e que o Instituto tem investido muito nessa informação. "Desenvolvemos este importante produto com o apoio da Finep, que é uma parceira muito importante para nós. Eu vejo o IBICT como um rato que ruge, ou seja, somos pequenos, temos poucos funcionários e o nosso orçamento não é o ideal, mas graças a esta garra que temos, conseguimos realizar muitos sonhos. Este Portal é um novo sonho muito importante para o nosso País e para a comunidade científica brasileira. Estamos fazendo ressurgir a convicção de que a memória do nosso patrimônio científico cultural precisa ser preservada. Só conseguiremos vencer e convencer quando dermos mais importância a esta memória e apresentarmos programas de grande impacto científico e tecnológico. Parabenizo a equipe do instituto pela devoção e agradeço também à SCUP, que sempre nos apoiou e incentivou nesta caminhada", ressaltou Suaiden.
Paula Melo, da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB), acrescentou que "não poderia ser diferente a minha presença em mais uma conquista do IBICT. Estou aqui como representante da UFRJ, membro do CTC, conselheira da CBBU, que é a Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias, e eu queria destacar a relevância deste novo serviço que o IBICT oferece para o desenvolvimento da ciência brasileira. Que o lançamento desse portal seja realizado com sucesso", afirmou.
Isa Antunes, da Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal (ABDF), agradeceu o IBICT por tomar a iniciativa do Portal, lembrando da obrigação dos profissionais bibliotecários de manter a memória das publicações oficias brasileiras.
A coordenadora geral de Pesquisa e Produtos Consolidados, Maria Carmem Romcy Carvalho, destacou que o Portal é um serviço que se apóia nas diretrizes políticas para o desenvolvimento e a promoção da informação governamental de domínio público, resultado do Simpósio Internacional sobre o Acesso Livre e o Domínio Público de Dados Digitais e Informação para a Ciência, organizado pela Unesco em 2003.
Carmem Romcy explicou que a intenção é a de que a manutenção do Portal seja feita de forma colaborativa, com a participação dos diferentes ministérios, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Segundo ela, está em andamento a constituição do Comitê Gestor do Portal, com representantes das instituições publicadoras para orientar seu desenvolvimento.
Logo após a cerimônia de lançamento do Portal, os convidados seguiram para a inauguração do Laboratório de Digitalização, que a partir desta quarta-feira passou a integrar o portfólio de serviços da Biblioteca do Instituto.
Acesse aqui o Portal: http://livroaberto.ibict.br
(Núcleo de Comunicação Social do IBICT)
 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Darwin e a prática da 'Salami Science'


FERNANDO REINACH - O Estado de S.Paulo
Em 1985, ouvi pela primeira vez no Laboratório de Biologia Molecular a expressão "Salami Science". Um de nós estava com uma pilha de trabalhos científicos quando Max Perutz se aproximou. Um jovem disse que estava lendo trabalhos de um famoso cientista dos EUA. Perutz olhou a pilha e murmurou: "Salami Science, espero que não chegue aqui". Mas a praga se espalhou pelo mundo e agora assola a comunidade científica brasileira.
"Salami Science" é a prática de fatiar uma única descoberta, como um salame, para publicá-la no maior número possível de artigos científicos. O cientista aumenta seu currículo e cria a impressão de que é muito produtivo. O leitor é forçado a juntar as fatias para entender o todo. As revistas ficam abarrotadas. E avaliar um cientista fica mais difícil. Apesar disso, a "Salami Science" se espalhou, induzido pela busca obsessiva de um método quantitativo capaz de avaliar a produção acadêmica.
No Laboratório de Biologia Molecular, nossos ídolos eram os cinco prêmios Nobel do prédio. Publicar muitos artigos indicava falta de rigor intelectual. Eles valorizavam a capacidade de criar uma maneira engenhosa para destrinchar um problema importante. Aprendíamos que o objetivo era desvendar os mistérios da natureza. Publicar um artigo era consequência de um trabalho financiado com dinheiro público, servia para comunicar a nova descoberta. O trabalho deveria ser simples, claro e didático. O exemplo a ser seguido eram as duas páginas em que Watson e Crick descreveram a estrutura do DNA. Você se tornaria um cientista de respeito se o esforço de uma vida pudesse ser resumido em uma frase: Ele descobriu... Os três pontinhos teriam de ser uma ou duas palavras: a estrutura do DNA (Watson e Crick), a estrutura das proteínas (Max Perutz), a teoria da Relatividade (Einstein). Sabíamos que poucos chegariam lá, mas o importante era ter certeza de que havíamos gasto a vida atrás de algo importante.
Hoje, nas melhores universidade do Brasil, a conversa entre pós-graduandos e cientistas é outra. A maioria está preocupada com quantos trabalhos publicou no último ano - e onde. Querem saber como serão classificados. "Fulano agora é pesquisador 1B no CNPq. Com 8 trabalhos em revistas de alto impacto no ano passado, não poderia ser diferente." "O departamento de beltrano foi rebaixado para 4 pela Capes. Também, com poucas teses no ano passado e só duas publicações em revistas de baixo impacto..." Não que os olhos dessas pessoas não brilhem quando discutem suas pesquisas, mas o relato de como alguém emplacou um trabalho na Nature causa mais alvoroço que o de uma nova maneira de abordar um problema dito insolúvel.
Essa mudança de cultura ocorreu porque agora os cientistas e suas instituições são avaliados a partir de fórmulas matemáticas que levam em conta três ingredientes, combinados ao gosto do freguês: número de trabalhos publicados, quantas vezes esses trabalhos foram citados na literatura e qualidade das revistas (medida pela quantidade de citações a trabalhos publicados na revista). Você estranhou a ausência de palavras como qualidade, criatividade e originalidade? Se conversar com um burocrata da ciência, ele tentará te explicar como esses índices englobam de maneira objetiva conceitos tão subjetivos. E não adianta argumentar que Einstein, Crick e Perutz teriam sido excluídos por esses critérios. No fundo, essas pessoas acreditam que cientistas desse calibre não podem surgir no Brasil. O resultado é que em algumas pós-graduações da USP o credenciamento de orientadores depende unicamente do total de trabalhos publicados, em outras o pré-requisito para uma tese ser defendida é que um ou mais trabalhos tenham sido aceitos para publicação.
Não há dúvida de que métodos quantitativos são úteis para avaliar um cientista, mas usá-los de modo exclusivo, abdicando da capacidade subjetiva de identificar pessoas talentosas, criativas ou simplesmente geniais, é caminho seguro para excluir da carreira científica as poucas pessoas que realmente podem fazer descobertas importantes. Essa atitude isenta os responsáveis de tomar e defender decisões. É a covardia intelectual escondida por trás de algoritmos matemáticos.
Mas o que Darwin tem a ver com isso? Foi ele que mostrou que uma das características que facilitam a sobrevivência é a capacidade de se adaptar aos ambientes. E os cientistas são animais como qualquer outro ser humano. Se a regra exige aumentar o número de trabalhos publicados, vou praticar "Salami Science". É necessário ser muito citado? Sem problema, minhas fatias de salame vão citar umas às outras e vou pedir a amigos que me citem. Em troca, garanto que vou citá-los. As revistas precisam de muitas citações? Basta pedir aos autores que citem artigos da própria revista. E, aos poucos, o objetivo da ciência deixa de ser entender a natureza e passa a ser publicar e ser citado. Se o trabalho é medíocre ou genial, pouco importa. Mas a ciência brasileira vai bem, o número de mestres aumenta, o de trabalhos cresce, assim como as citações. E a cada dia ficamos mais longe de ter cientistas que possam ser descritos em uma única frase: Ele descobriu...