Robert Darnton, professor de Harvard, explica o seu projeto, alternativo ao do Google: uma biblioteca universal, aberta a todos, a ser implementada na Internet. "Nos EUA, os textos autoproduzidos são três vezes mais numerosos do que os publicados por editoras comerciais". "Alguns estão convencidos de que democratizar o conhecimento significa vulgarizá-lo. No século XIX, temia-se a mesma coisa". Eis a entrevista.
Professor Darnton, o senhor escreve que digitalizar é democratizar. Mas que uso poderá fazer dessa imensa oferta de "leitura democrática" uma sociedade de massa que lê cada vez menos, que antepõe a imagem ao texto e é, em grande parte, desprovida de instrumentos interpretativos necessários?
O termo "democratização" pode parecer alarmante se aplicado à cultura, sobretudo na cultura americana tal como é vista pela Europa. Em seu livro, escrito em polêmica com o Google – Quand Google défie l'Europe – Jean-Noël Jeanneney usa o argumento dos algoritmos e do sistema de avaliação baseado na frequência dos acessos para denunciar um "populismo cultural", como se a digitalização em massa dos livros ameaçasse afogar a Europa em uma cultura de massa alienante. Os europeus podem permanecer aficionados – como eu sou – ao venerável código impresso, mas os norte-americanos leem livros eletrônicos com uma avidez igual, senão maior – como demonstram os últimos dados da Amazon –, à que leem os livros impressos.
Qual é o panorama que surge disso?
Em 2011, pelo menos 20% do total das vendas será de livro adaptados para dispositivos de leitura que estão em suas mãos. Parece que a própria prática da leitura está aumentando, especialmente no setor dos gêneros populares, tais como as histórias de romance ou os livros policiais. Isso quer dizer que democratizar significa vulgarizar? Talvez. Isso era o que muitos europeus da segunda metade do século XIX já lamentavam diante do sucesso de romances baratos e dos jornais. Eu compartilho a opinião de Richard Hoggart, de Marcel Certeau, de Carlo Ginzburg e de Roger Chartier, que defendem que os leitores plebeus tinham a capacidade de captar toda a riqueza dos significados dos textos "populares" adaptando-os à sua própria cultura.
O senhor também fala da "democratização da escrita". A que se refere?
Trata-se de um fenômeno muito interessante. Nos Estados Unidos, em 2009, foram publicados 288.355 livros por editoras comerciais. A estes, devem ser acrescentados os 764.448 novos títulos de autores que se autopublicam. Uma vez, os livros eram escritos para o leitor comum. Hoje, é o leitor comum que os escreve.
Até que ponto é possível comparar, como o senhor faz, a rede de informação sem fronteiras oferecida hoje pela Internet com a circulação das ideias na Paris do século XVIII? Os intelectuais do Iluminismo – Voltaire na frente – buscavam o objetivo de difundir o saber em benefício das elites e certamente não do povo.
Voltaire, sem dúvida, ficaria horrorizado diante da situação atual. Ele não se cansava de defender que era arriscado ensinar os camponeses a ler, porque era preciso que alguém cultivasse os campos. Os iluministas foram muito longe na sua exigência de refinamento. Mas, quando consideramos de modo global a idade do Iluminismo, vemos que muitas ideias circulavam de forma fragmentada, exatamente como na Internet. Basta pensar nas conversas trocadas em torno da chamada "árvore da Cracóvia" no Palais-Royal, nos bon-mots rabiscados em pedaços de papel, nos versos improvisados nas árias populares. Estou convencido de que temos que proceder a uma reconstrução completa "do ecossistema de informações" do passado. Ao fazer isso, poderemos ter uma visão mais clara do futuro. Longe de mim querer assumir o ditado de que "quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas", mas, em Il futuro del libro, procurei mostrar como as longas linhas de continuidade interconectam fases diferentes da história.
O senhor não se cansa de lembrar como a garantia da democracia, para a Internet, é incompatível com a política de monopólio do Google.
O problema da democratização foi posto pelo Google Book Search de um novo modo. À primeira vista, essa iniciativa tinha a vantagem de colocar milhões de livros à disposição de milhões de leitores. Mas havia um preço a pagar, o da assinatura do acesso ao gigantesco banco de dados do Google. Ao invés de democratização, encontramo-nos, portanto, diante de uma perspectiva de comercialização. O perigo se tornou evidente quando o Google assinou um acordo econômico com os escritores e os editores que o haviam processado por ter violado os direitos autorais. O público não estava autorizado a dizer a sua opinião, mas um tribunal de Nova York se recusou a aprovar o acordo.
Qual é a alternativa possível?
Um grupo de pessoas do qual eu faço parte está tentando criar uma Biblioteca Pública Digital dos Estados Unidos (Digital Public Library of America), que se propõe a competir e a vencer o Google em seu próprio campo, tornando acessível gratuitamente o patrimônio cultural norte-americano não só a todos os norte-americanos, mas ao mundo inteiro. Ao invés de depender do Estado no plano financeiro, visamos a uma coalizão de fundações privadas. Um consórcio de bibliotecas disponibilizará os livros e os outros materiais. São muitos ainda os problemas técnicos, jurídicos e administrativos, mas esperamos apresentar um primeiro modelo até o fim deste ano.
E as suas previsões sobre o futuro?
Vivemos um momento extraordinário da história das comunicações. Tudo é fluido e em contínua mudança. Se soubermos aproveitar o momento, podemos determinar o nosso futuro, para o bem público. Devemos digitalizar – digitalizar e democratizar.