As primeiras bibliotecas conhecidas, datadas de meados do quarto milênio antes de Cristo e localizadas na Mesopotâmia (atual Iraque), reuniam algumas centenas de pequenas tábuas de argila, com sinais gravados em escrita cuneiforme. A mais famosa biblioteca do mundo antigo – a de Alexandria, ligada à “morada das musas”, o Museu, instituição fundada por Ptolomeu I no final do século 3 antes de Cristo – moldou a cultura livresca ocidental e impôs um modelo de biblioteca que perdura até hoje. Com o advento do cristianismo, igrejas espalhadas pela Grécia e pelo Oriente Próximo fundam suas próprias bibliotecas, embora se restrinjam a guardar manuscritos da Bíblia, livros litúrgicos, atas e correspondências.
Essas são algumas observações extraídas das primeiras páginas do livro História das Bibliotecas – De Alexandria às Bibliotecas Virtuais, do historiador francês Frédéric Barbier, que a Editora da USP (Edusp) acaba de lançar. Com 400 páginas, a obra percorre toda a história dessa instituição dedicada à conservação da cultura escrita. O livro é “um convite à reflexão sobre os muitos paradoxos que as revoluções nos sistemas de comunicação e sistematização da informação vêm sofrendo”, escreve na orelha do livro a professora Marisa Midori, docente do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e colunista da Rádio USP. “De um lado, como evitar o esvaziamento de antigas bibliotecas e de coleções inteiras de livros e de periódicos que são paulatinamente publicados na internet? De outro lado, como sistematizar e tornar inteligível um verdadeiro oceano de escritos que se renova a cada dia?”
Como mostra o livro de Barbier, as bibliotecas têm uma longa história de conflitos, mas também de superação e de grandes serviços prestados à educação ocidental. A partir do século 4 depois de Cristo, uma série de acontecimentos marca profundamente o trabalho dessas instituições. Entre esses acontecimentos estão as recorrentes crises do Império Romano e a chegada ao Ocidente dos povos “bárbaros”, pouco ou não alfabetizados, que ocasionam a destruição de bibliotecas inteiras. Além disso, a substituição dos volumen de papiro pelo codex em pergaminho faz com que no novo suporte seja reproduzida apenas parte dos textos até então conservados, enquanto o restante é perdido.
Em meio a essa situação, a atuação de São Bento de Núrcia é decisiva, destaca Barbier. Em 529 – mesmo ano em que o imperador bizantino Justiniano, sob a acusação de “paganismo”, fecha a célebre Academia de Atenas, fundada nove séculos antes pelo filósofo grego Platão -, São Bento inaugura a Abadia de Monte Cassino, origem da ordem dos beneditinos, e institui a regra beneditina. Entre os preceitos dessa regra está a obrigação de ler regularmente os textos sagrados e estudá-los através dos comentários dos padres da Igreja. “O mosteiro deve, tanto quanto possível, ser capaz de viver como autarquia, de forma que os monges terão também, entre suas tarefas cotidianas, que copiar os textos para enriquecer a biblioteca”, escreve o historiador. Com isso, generaliza-se o princípio de estabelecer em cada mosteiro um scriptorium e uma biblioteca. A rápida propagação da ordem beneditina é acompanhada pela multiplicação das bibliotecas e dos ateliês dos copistas.
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