A perspectiva ética de respeito aos direitos autorais e à propriedade
intelectual sempre norteou a produção intelectual da USP. O Sistema
Integrado de Bibliotecas da USP (SIBiUSP) tem procurado realizar ações
integradas de conscientização e prevenção de ocorrência de plágio no
ambiente acadêmico. As bibliotecas da USP sempre trabalharam junto aos
docentes, estudantes e funcionários na orientação para a redação de
trabalhos acadêmicos (teses e dissertações) e artigos científicos, tendo
como foco a normalização de citações e referências.
A preocupação com os direitos autorais e propriedade intelectual não é
recente. Entretanto, nos últimos anos, com o advento da Internet e a
ampliação do acesso aberto à informação, as questões referentes à
integridade da pesquisa e à prevenção da ocorrência do plágio têm
suscitado discussões mais profundas.
Apesar de todas as informações disponíveis e a atuação diligente dos
profissionais da informação, docentes e autores, compreender o conceito
de plágio não é tarefa fácil. Nesse sentido, o trabalho do professor
Marcelo Krokoscz merece destaque especial. Prestes a lançar sua mais
recente obra Outras palavras sobre Autoria e Plágio, Krokoscz concedeu entrevista especial ao SIBiUSP.
SIBiUSP: Em poucas palavras, qual é a origem do plágio e seu significado nos dias atuais?
Marcelo Krokoscz: O plágio é um fenômeno que caracteriza uma fraude
autoral. Surgiu na antiguidade (séc II a. C.), mas a concepção adotada
hoje é resultado das mudanças nos processos editoriais e legislações
autorais surgidas no início do século XVIII.
SIBiUSP: Como se detecta um plágio em um trabalho científico?
MK: É muito fácil detectar o plágio. Estudo realizado com professores
indicou que oito em cada dez percebem que um trabalho escrito é
plagiado apenas fazendo a leitura. Nem sempre o nível de erudição de um
texto corresponde aos conhecimentos de quem responde pelo trabalho. Além
disto, quando o trabalho é resultado de um processo de copiar e colar,
fica flagrante algumas quebras de estilo e de coesão textual devido as
diferenças nativas entre os textos originais. Contudo, na atualidade
existem softwares dedicados exclusivamente a detecção do plágio.
SIBiUSP: Qual é o impacto do plágio na qualidade das
pesquisas científicas? Como o plágio afeta a autoria de um trabalho
científico?
MK: Fiz um estudo recente com trabalhos científicos publicados numa
base de indexação da área das ciências sociais. Submeti uma amostra dos
trabalhos publicados à um detector de plágio. O resultado foi que 65%
dos trabalhos publicados continham plágio. A literatura internacional
sobre o plágio reitera que o plágio no âmbito acadêmico tem nuances
diferentes do plágio editorial, por exemplo. Sendo assim, embora o
problema da redundância (autoplágio) seja inconcebível do ponto de vista
editorial, no meio acadêmico é reprovável por causa do mérito associado
ao ineditismo científico. Então, o problema maior do plágio acadêmico
se refere ao comprometimento da reputação de quem escreve ou publica.
SIBiUSP: Que ações institucionais têm sido comumente adotadas
nas universidades consideradas de classe mundial em relação ao plágio?
Como aferir a eficiência dessas ações?
MK: O plágio é um problema de todos: alunos, professores,
pesquisadores, editores e das instituições! De fato, cabe às escolas,
universidades, periódicos, agências minimamente assumirem a sua parcela
de responsabilidade em relação ao assunto. Definir o que é o plágio para
o seu público, caracterizar quando e como pode ocorrer, estabelecer
práticas de prevenção, oferecer treinamento de redação científica e
apresentar regras e sanções relacionadas à prática do plágio e à
integridade científica são ações constatáveis em muitas instituições
internacionais.
A eficiência destas ações não garante plenamente que o plágio seja
evitado, pois em parte ele ocorre por má fé de algumas pessoas que
deliberadamente decidem cometer uma fraude autoral. Contudo, elas são
importantes e necessárias para instrumentalizar aquelas pessoas que
cometem plágio de forma acidental, isto é, não intencional, o que aliás,
é o que ocorre com mais frequência.
SIBiUSP: Como você avalia as ações punitivas e as educativas dadas pelas instituições em relação ao plágio?
MK: As ações preventivas são mais importantes do que as punitivas.
Apesar do que, estas são necessárias para evitar que o problema seja
banalizado. Se acontece o plágio e isto é ignorado, e quando nos
deparamos com casos flagrantes não acontece nada, facilmente pode-se
criar a cultura de que é “algo que todo mundo faz”. Entretanto, antes da
punição é preciso que haja uma codificação (regras e sanções) de modo
que a adoção de medidas punitivas não sejam decisões tomadas
aleatoriamente cada vez que surge um novo caso.
SIBiUSP: Em sua opinião, qual é o papel das bibliotecas com relação à prevenção da ocorrência do plágio?
Eu penso que as bibliotecas têm um papel fundamental em relação à
prevenção e ao combate do plágio acadêmico. Tenho visto iniciativas
interessantes neste sentido nos eventos internacionais sobre o assunto.
Há por exemplo, um vídeo na internet preparado por uma biblioteca de
universidade da Noruega e pude conhecer um website desenvolvido por uma
biblioteca de uma instituição australiana com diversas informações,
exemplos e exercícios sobre o plágio. Enfim, acho que, da mesma forma
que as bibliotecas preocupam-se em desenvolver manuais de normalização
de trabalhos acadêmicos, poderiam ajudar as instituições criando manuais
de prevenção do plágio.
SIBiUSP: Em 2012, você participou de uma pesquisa sobre
percepção de plágio junto aos alunos de pós-graduação da USP, realizada
em parceria com o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP . Como você
avalia a os resultados? (situação dos alunos da USP em relação a alunos
de outras universidades).
MK: O objetivo principal do trabalho que fizemos não foi verificar os
índices e nem a frequência de ocorrência do plágio entre os estudantes.
O que pudemos constatar foi que as percepções dos alunos da USP em
relação ao plágio não são diferentes do que se verifica entre os alunos
de outras instituições e países. Entretanto, a conclusão mais importante
foi a análise que fizemos de que o fato de ter conhecimentos teóricos
conceituais não é uma condição suficiente para garantir que o aluno
entenda de forma adequada situações concretas que caracterizam o plágio.
Ou seja, aponta uma nova fronteira sobre o assunto indicando que,
embora informação e treinamento sejam importantes para evitar o plágio,
isto são insuficientes para que o problema seja inteiramente superado.
SIBiUSP: Como avalia a situação do Brasil em relação à preocupação com o plágio?
Em minha opinião o plágio ainda não é assumido de forma satisfatória
como um problema sério no país. Embora a CAPES tenha feito uma
recomendação para que as instituições de ensino superior orientem os
alunos sobre o assunto e algumas das principais agências de fomento à
pesquisa tenham inserido o assunto em seus manuais de boas condutas
científicas, considero que isto ainda é muito pouco. Por exemplo, é raro
encontrar informações sobre orientações e políticas institucionais
sobre o plágio nos websites das instituições de ensino brasileiras, nas
diretrizes para autores dos periódicos científicos sequer consta a
palavra plágio, nos livros de metodologia da pesquisa e manuais de
elaboração de trabalhos acadêmicos o assunto é ignorado. A maioria das
universidades internacionais utiliza softwares de detecção do plágio,
mas aqui no Brasil ainda é bastante incomum uma instituição que faça
este tipo de investimento.
SIBiUSP: Qual a contribuição de seu novo livro para a sociedade brasileira?
MK: Este livro é resultado de minha tese de doutorado defendida na
USP em 2014. Trata-se de um trabalho teórico, diferente do primeiro
livro que tem uma conotação prática, com conteúdo aplicado. Contudo, a
reflexão desenvolvida nesta obra contribui para o debate sobre a
importância de repensar os conceitos de plágio e autoria considerando-se
o contexto das novas tecnologias da informação e comunicação. Disse
acima que estes conceitos são oriundos da modernidade, contudo o mundo
mudou muito nos últimos tempos e penso que é preciso repensar as ideias
de autoria, propriedade e reprodução, entre outros, considerando-se a
sociedade da informação caracterizada pela troca, fluidez,
compartilhamento e colaboração. Neste âmbito, as noções de “meu” e “teu”
já não são como eram…
Marcelo Krokoscz é doutor e mestre em Educação pela Faculdade de
Educação (FE) da USP; membro da rede acadêmica mundial para o
enfrentamento do plágio (PlagiarismAdvice.org); autor dos livros
“Autoria e Plágio: um guia para estudantes, professores, pesquisadores e
editores” (Atlas, 2012) e “Outras palavras sobre autoria e plágio”
(Atlas, 2015); editor do website www.plagio.net.br e da revista Liceu Online.
No meio acadêmico desenvolve pesquisas e apresenta conferências sobre
autoria, interesse, originalidade e plágio no processo de produção,
redação e publicação científica. É também professor de Metodologia
Científica e Coordenador do Programa de Iniciação Científica na Fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e diretor do Colégio FECAP.
No meio editorial realizou trabalhos de consultoria técnica para a
publicação de obras didáticas da Editora Moderna e da Editora Ática.
Da Divisão de Gestão de Desenvolvimento e Inovação do SIbiUSP
Mais informações: Atlas Virtual, email marcelix@usp.br
Fonte: USP
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