Carregado de cultura e tradição, o queijo canastra é produzido há mais de 200 anos em Minas Gerais. Parte dessa tradição está na maneira como ele é fabricado, o que, apesar de garantir o sabor tão famoso, ainda mantém em aberto discussões sobre higiene, boas práticas de produção e a legislação federal para comercialização de queijos. Em vista disso, Mayra Fernanda da Silva Diniz, cientista de alimentos, desenvolveu em sua dissertação de mestrado, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, o trabalho. Um estudo envolvendo aspectos culturais e parâmetros de inocuidade do alimento.
Enquanto bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e orientada por Gilma Lucazechi Sturion, professora do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN), Mayra estudou os produtores e sua cultura com o objetivo de verificar a possibilidade de uma produção que aliasse a tradição e a segurança do alimento. Segundo a pesquisadora, o modo como é feito o queijo inclui a utilização de leite cru, o que gera discussões polêmicas sobre sua produção. “Isso ocorre porque, no Brasil, de acordo com a legislação federal, não se pode comercializar queijos que sejam produzidos com leite cru, a menos que sejam curados — maturados — por 60 dias. No caso do queijo Canastra, a maturação ocorre por, no máximo, 30 dias. Em contrapartida, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) recomenda, no mínimo, 21 dias de cura”, explica. Mayra diz ainda que diversos atos normativos foram criados para que o produto pudesse ser comercializado e, atualmente, essas normas ainda estão sendo discutidas.
Para compreender o universo da cultura mineira e a relação da produção do queijo Canastra como tradição, Mayra conta que manteve como foco os produtores que comercializam o produto — tendo em vista que algumas famílias produzem apenas para consumo doméstico. “Além da pesquisa de campo e vivência na cidade de São Roque de Minas, localizada na região da Serra da Canastra, em Minas Gerais, de onde extraí dados para elaborar minha metodologia, me baseei também em diversos atos normativos relacionados à produção de queijos artesanais”. Segundo a pesquisadora, artigos que abordavam o tema também serviram de orientação na execução do projeto.
Após coletar importantes informações com os produtores, foram elaborados dois instrumentos metodológicos. “Um deles foi uma Lista de Verificação, baseada nos atos normativos vigentes referentes à produção de queijo Minas artesanal. Com ela eu pude avaliar as condições higiênico-sanitárias de toda a cadeia de produção do queijo, abordando questões que iam desde o controle sanitário do rebanho até a fabricação do produto”. Mayra diz ainda que, com o intuito de complementar os resultados obtidos por meio da Lista de Verificação, foram realizadas análises de coliformes totais e Escherichia coli nos queijos frescos, objetivando avaliar a qualidade microbiológica dos produtos recém-fabricados.
Carência de informações
Outro instrumento metodológico utilizado foram as entrevistas. “Elaborei questões semi-estruturadas para obter informações relacionadas ao modo de fazer e aos demais aspectos culturais que envolvem o queijo Canastra”, explica. Após as pesquisas, Mayra verificou que grande parte das propriedades avaliadas (67%) ainda carece de informações a respeito das boas práticas de fabricação, princípios que levam à produção de alimentos seguros. “Somente 17% dos produtores faziam o controle de doenças presentes nos bovinos e que podem ser transmitidas ao homem, como, por exemplo, tuberculose. Apenas essa mesma porcentagem avaliada também realizava testes para controle da mastite, enfermidade que acomete vacas em lactação e que é responsável pela transmissão de microrganismos patogênicos ao leite, como, por exemplo, Staphylococcus aureus”.
Outro instrumento metodológico utilizado foram as entrevistas. “Elaborei questões semi-estruturadas para obter informações relacionadas ao modo de fazer e aos demais aspectos culturais que envolvem o queijo Canastra”, explica. Após as pesquisas, Mayra verificou que grande parte das propriedades avaliadas (67%) ainda carece de informações a respeito das boas práticas de fabricação, princípios que levam à produção de alimentos seguros. “Somente 17% dos produtores faziam o controle de doenças presentes nos bovinos e que podem ser transmitidas ao homem, como, por exemplo, tuberculose. Apenas essa mesma porcentagem avaliada também realizava testes para controle da mastite, enfermidade que acomete vacas em lactação e que é responsável pela transmissão de microrganismos patogênicos ao leite, como, por exemplo, Staphylococcus aureus”.
Além disso, a ausência de cuidados básicos durante a ordenha e processamento também foi observada. “A maioria dos produtores não lavava as mãos corretamente entre uma atividade e outra. Dos produtores responsáveis por ordenhar os animais e fabricar o queijo, 78% poderiam veicular contaminações do ambiente externo para a queijaria apenas por não trocarem de vestimenta”, conta. Com as análises microbiológicas, detectou-se a presença de coliformes a 35 ºC e Escherichia coli em 94% e 82%, respectivamente, das amostras, indicando falhas higiênico-sanitárias durante o processo.
De acordo com a pesquisadora, a maturação faz parte do saber-fazer tradicional e é responsável por reduzir consideravelmente a carga microbiana proveniente do leite cru. Por meio dos resultados foi possível observar que 100% dos produtores não obedecem ao período recomendado pelo IMA, de 21 dias. “Apesar de 27,8% dos estabelecimentos realizarem a maturação, todos comercializavam os queijos ainda crus [frescos] se fosse da preferência do consumidor”. Segundo Mayra, a não realização da maturação envolve questões econômicas. “Como o queijo é vendido por quilograma, o produto fresco, recém-fabricado, se mostra mais rentável, uma vez que possui maior teor de umidade que o queijo maturado”, comenta.
Mayra afirma que, apesar dessas questões ainda parecerem contraditórias, é possível aliar os aspectos culturais às boas práticas de fabricação. “Não acredito que seja um processo fácil, mas se houver a integração entre o poder público, a ciência, os saberes e realidade locais, todos atuando juntos, o queijo Canastra pode ser produzido e comercializado de forma segura e, rentável aos produtores”. A pesquisadora diz que cada queijo fabricado pelos mineiros é único. “Por isso acredito que para que o queijo Canastra continue a ser produzido, de forma segura, são necessárias iniciativas que visem melhorar as técnicas, mas respeitando as particularidades desse alimento”, conclui.
Fonte: Agência USP de Notícias. Publicado em 5/maio de 2014.
Lucas Jacinto, da Assessoria de Comunicação da Esalqimprensa.esalq@usp.br
Foto: Mayra Fernanda da Silva Diniz
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